20 de Abril de 2024 - Ano 10
NOTÍCIAS
14/12/2014

Delegado quer ação integrada com PF, Poder Judiciário e instituições bancárias na guerra ao tráfico

Foto: Dayse Nunes / Portal do Zacarias

Delegado George Gomes na redação do Portal do Zacarias

Para o delegado George Gomes, da Delegacia Especializada em Prevenção e Repressão a Entorpecentes (Depre), somente ações integradas poderão combater o tráfico de drogas, que se organizou e se internacionalizou, enquanto os aparelhos policiais se enfraquecem. No Amazonas, só em 2014 o tráfico movimentou mais de 10 milhões de reais, usando menores de idade protegidos pelo ECA.

 

Por J Taketomi, editor de Política do PORTAL DO ZACARIAS
Colaboraram: Lerron Santiago e Hilton Ferreira


PORTAL DO ZACARIAS – Fale sobre o seu trabalho nesses quatro meses à frente da Delegacia de Repressão a Entorpecentes

 

Delegado George Gomes – Minha carreira sempre foi pautada pelo combate ao tráfico de drogas. Isso eu fiz no 8º DP da Compensa, onde passei dois anos. Inclusive, em 2003, eu fiz a maior apreensão do ano, que foram 50 quilos de cocaína. Depois fui para a Secretaria de Segurança onde a minha missão era o combate ao tráfico. Agora, estou na Depre continuando o combate às drogas. Nós apreendemos quase 100 quilos de drogas na cidade de Manaus nos últimos quatro meses, segundo levantamento que fizemos, e prendemos os chefes das facções criminosas, o que é mais importante. Na quinta-feira (11), prendemos o Daniel, o chefe do tráfico na Zona Sul de Manaus. Ele tinha um escritório dentro de uma localidade no Educandos, onde se reunia para traçar estratégias sobre a venda e distribuição da droga. Desde a manhã, cercamos ruas e becos e às 15 horas conseguimos prender todo mundo. Eles tentaram reagir, mas foram dominados pelos nossos policiais em posição de combate. Lá, encontramos mais de 6 quilos de droga, encontramos dinheiro e armas. Três grandes chefes da Zona Sul foram presos. Foi um trabalho de paciência e inteligência. A população foi preservada. Não houve mortes.


Portal do Zacarias
- Quais são as zonas mais complicadas de Manaus com relação ao tráfico?


George Gomes – A Zona Norte da cidade tem sido uma zona bastante complicada. Devido as nossas fortes operações nas zonas Oeste e Sul, os traficantes migraram para a Zona Norte, uma região muito populosa, que cresceu muito nos últimos anos. Nós já estamos agindo forte lá, estamos descobrindo qual é a rota de fuga dos traficantes e como eles se articulam.


Portal – Delegado, o senhor conta com efetivo suficiente para desenvolver suas ações ou precisa de mais estrutura para o seu trabalho?


George Gomes – No Brasil inteiro sempre vamos precisar de mais veículos, de mais homens e mais equipamentos, porque as drogas são um comércio rentável e os traficantes se multiplicam à exaustão. Mas nós temos que saber utilizar o que temos, procuramos otimizar a quantidade de investigadores que temos, a quantidade de veículos, equipamentos e homens que temos. O trabalho de combate ao tráfico de drogas tem que ser como operação cirúrgica. Nós temos que prender os líderes. O combate às bocas de fumo tem que ser feito pelas delegacias de polícia dos bairros. O combate aos chefões das drogas é com a gente.


Portal – Os traficantes burlam a lei usando menores inimputáveis. Como combater essa indústria que se criou à revelia da lei?


George Gomes – Os menores, de fato, são usados sob uma falsa ilusão de riqueza, falsa ilusão de trabalho. Todos os dias adolescentes são capturados e ficam com suas fichas sujas. A partir dos 18 anos, eles são presos. Todos os dias temos prendido adolescentes que vão parar na penitenciária em razão do tráfico de drogas. O pior é a dificuldade de menores e adolescentes de sair do tráfico, porque eles são ameaçados pelos traficantes. São ameaçados de morte se tentam sair dessa vida.


Portal – O senhor defende, então, a redução da maioridade penal para a polícia melhor combater o tráfico?

 

“Sou contra a redução da maioridade penal. A solução é alterar o ECA, de forma que o menor  continue

respondendo como menores pelos delitos cometidos, mas com penalidades mais severas.

Levantamento da Secretaria Nacional de Segurança Pública diz que os crimes cometidos

por menores não chegam a dois por cento no Brasil. Então, é uma utopia dizer que a

redução da maioridade penal vai reduzir a criminalidade no País”

 

George Gomes – Embora eu seja um delegado de polícia e trabalhe no combate ao crime, sou contra a redução da maioridade penal. A solução é alterar o  ECA (Estatuto da Criança e do Adolescente), de forma que o menor continue respondendo como menores pelos delitos cometidos, mas com penalidades mais severas. Imagino que não podemos aceitar que uma pessoa que mate passe três anos internado, de acordo com o regime do ECA. Também não podemos aceitar que o menor cometa o crime de traficar drogas e seja solto imediatamente. Acho que as punições para esses menores devem ser mais severas.


Portal – O senhor não concorda que, se o cidadão vota, ele passa a ter direitos e deveres perante a sociedade e as leis que a regem?


George Gomes – Foi feita pesquisa na última eleição, constatando que grande parte dos jovens não compareceu às urnas, os jovens não foram votar. Mesmo responsáveis pela condução do país, a falta de maturidade os levou a não exercerem seus direitos. Se eles não têm maturidade nem para exercerem um direito, imaginem para terem discernimento sobre a gravidade do ato de traficar droga. Sei que é complicado um delegado falar assim, pois pode receber críticas da sociedade, mas eu falo com bases científicas. A bem da verdade, os crimes praticados pelos menores chamam mais a atenção. No entanto, todos os dias os maiores de idade matam. Se os menores traficam, isso chama mais a atenção, mas todos os dias os maiores traficam. Se os menores estupram, chamam mais a atenção, mas todos os dias os maiores estupram. Levantamento da Secretaria Nacional de Segurança Pública diz que os crimes cometidos por menores não chegam a dois por cento no Brasil. Então, é uma utopia dizer que a redução da maioridade penal vai reduzir a criminalidade no Brasil. O que nós temos que mudar são as leis processuais, que devem ser mais rígidas. Não consigo entender como um traficante, que é preso com 20 ou 30 quilos de cocaína, amanhã ele consegue uma liberdade provisória e está solto. Esse, sim, é o mal que deve ser combatido.


Portal
– É a legislação que está errada?


George Gomes – Eu acho que a legislação tem que ser mudada, porque quando se mata alguém, quando há um latrocínio, a sociedade fica consternada. Mas quando se prende um traficante, isso não tem o impacto social devido. Ora, por trás disso, há centenas de mortes. Então, o tráfico tem que ser penalizado, tem que ser levado a sério e punido na mesma proporção da gravidade de alguém que mata. Eu prendo as pessoas lá na Delegacia de Entorpecentes e em menos de 24 horas essas pessoas estão soltas, porque a Justiça entende que o tráfico de drogas é um crime sem gravidade. Na verdade, o crime de traficar drogas é cruel, ele mata todos os dias e está acabando com as famílias. Outro problema é o cumprimento da pena que não é eficaz. Hoje, nós temos notícia da mídia nacional de que o tráfico de drogas é controlado de dentro dos presídios. Isso não pode acontecer no nosso país.


Portal – A falta de ações integradas entre as polícias também não agrava mais o problema?

 

George Gomes com o jornalista Juscelino Taketomi: “Eu prendo as pessoas lá na Delegacia de

Entorpecentes e em menos de 24 horas elas estão soltas, porque a Justiça entende

que o tráfico de drogas é um crime sem gravidade. Na verdade, o crime de

traficar drogas é cruel, ele mata todos os dias e está acabando com as famílias.

 

George Gomes – Em 2004, eu estava na Secretaria de Estado da Segurança, e a Secretaria Nacional de Segurança Pública já tinha um projeto sobre o trabalho de integração entre as polícias Civil e Militar. Hoje, digo que avançamos bastante, apesar de as ações não serem tão integradas como gostaríamos que fossem. Mas, as reuniões sobre segurança pública hoje envolvem Polícia Militar e Polícia Civil o tempo todo. São duas polícias que têm atribuições diferentes: uma (PM) para reprimir o crime e a outra (Civil) para repreender o crime. Entendo que é preciso haver maior integração, mas hoje, depois de dez anos, já estamos colhendo frutos bons.


Portal – Como o senhor analisa as Forças Tarefas, que reúnem as duas polícias ? Elas têm oferecido resultados satisfatórios?


George Gomes – Essas forças foram criadas em 2004, eu e o coronel Gonzaga as criamos. O importante é o compartilhamento de informações e o trabalho conjunto. Nós temos que acabar com o mito do super herói, pois ninguém faz nada sozinho. O crime se organizou, é bem articulado e trabalha em parceria. A polícia tem que trabalhar de forma integrada.


Portal – O ex-comandante da Polícia Federal no Amazonas, Sérgio Fontes, disse, em entrevista ao Jornal do Commercio, em 2012, que o combate ao tráfico de drogas só seria completa com ações integradas reunindo PM, Polícia Civil, Poder Judiciário e instituições bancárias. O que o senhor diz sobre essa frente de luta?


George Gomes
– Se a nossa integração aumentar, não só na parte operacional, mas na parte de inteligência, os resultados serão melhores. Precisamos da integração com a PF, Poder Judiciário e os bancos, porque o tráfico de drogas é um comércio, ele movimenta milhões de reais. Os criminosos usam terceiros, ou seja, usam as contas de terceiros para depositarem dinheiro ilegal. De repente, o banco tem uma movimentação muito grande de uma pessoa que não comprovou renda, não comprovou que é comerciante, não comprovou que é funcionário público, um profissional liberal. O dinheiro é fácil de ser detectado, de onde ele está vindo. Quando alguém deposita esse dinheiro, tem que declarar Imposto de Renda para identificar a fonte. Quando a fonte não aparece, o dinheiro está ligado ao tráfico de drogas. Essa integração mostraria para onde está sendo canalizado o dinheiro e quem são os responsáveis por ele. Na lei das drogas, temos a figura do traficante financiador, aquele que guarda e movimenta o dinheiro do tráfico e deve ser punido quanto aquele que transporta drogas. A compra de um apartamento, de um imóvel, de uma lancha, é preciso saber a origem desse dinheiro. Se a gente acompanhar passo a passo esse dinheiro, chegaremos ao traficante. O delegado Sérgio Fontes sempre foi um delegado atuante no combate ao tráfico de drogas, ele sabe que as ações integradas são necessárias. Por exemplo, uma Secretaria de Inteligência não tem que efetuar prisões, ela não é um órgão executivo. Ela tem que fornecer informações profundas para as polícias Civil e Militar, que são órgãos executores. Assim o trabalho seria mais eficiente. A Secretaria de Inteligência não pode reter informação para ela, sozinha, executar as operações.


Portal
– O que o senhor diz sobre a situação do combate ao tráfico nas fronteiras brasileiras?


George Gomes – Existe um projeto para as fronteiras. O problema é que o Brasil é um país-continente, o Brasil é do tamanho da Europa e aí a gente vai ter uma fronteira com milhares de quilômetros, uma fronteira que começa na Venezuela e vai terminar lá no Uruguai. Nesse trajeto a gente vai ter países produtores de drogas, que são a Venezuela, as Guianas, a Colômbia, o Equador, o Peru,a Bolívia e o Paraguai. O Brasil é cercado por produtores de drogas. Os traficantes usam cada espaço desabitado do país para transitar com a droga. Logo, o problema não é na fronteira onde tem um posto de fiscalização. O tráfico se organizou e usa essa geografia. O tráfico se organizou e tem um grande produtor, que é a América do Sul. Aqui em Manaus, um dia desses, numa operação nossa, a população se revoltou e quis tirar o traficante da viatura. Isso é um absurdo.

 

“Uma Secretaria de Inteligência não tem que efetuar prisões, ela não é um órgão executivo. Ela tem que

fornecer informações profundas para as polícias Civil e Militar, que são órgãos executores. A Secretaria

de Inteligência não pode reter informação para ela, sozinha, executar as operações”

(Fotos: Dayse Nunes / Portal do Zacarias)


Portal – A descriminalização da maconha ajuda no combate ao tráfico?


George Gomes – Não. A maconha continua sendo crime, mas não é o problema principal. Hoje, o grande negócio do traficante é a pasta base de cocaína, é o êxtase, a heroína, é o Oxi, o usuário de droga não procura a maconha, ele procura as drogas sintéticas, as drogas pesadas. Está difícil apreender maconha porque ela sumiu do mercado.


Porta
l – O senhor tem números sobre a movimentação financeira do tráfico hoje?


George Gomes – Não posso falar em termos de Brasil, mas a Depre, no Amazonas, prendeu mais de duzentos traficantes em 2014. Começamos, então, a fazer uma análise da quantidade de drogas apreendidas. Apreendemos mais de duzentos quilos de cocaína e só isso aí já gera mais de 10 milhões de reais. Isso só o que foi retirado do mercado. A droga é um negócio milionário e, infelizmente, envolve policiais que acreditam na ilusão do dinheiro fácil. 

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