24 de Abril de 2024 - Ano 10
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03/03/2015

Números mágicos: CPF vira a nova cara do Brasil no século XXI

Foto: Reprodução / Internet

Cada vez mais exigido em operações do dia a dia, documento (ou a falta dele) deixa consumidor em saia justa

 Quase tão comum quanto o “jeitinho”, a paixão por futebol ou os vendedores de sombrinhas em dia de chuva é a mania do brasileiro por uma nada modesta sequência de 11 números. O Cadastro de Pessoas Físicas, ou CPF, é solicitado em dez entre dez estabelecimentos — do supermercado ao salão de beleza. O número único, de alcance nacional, se tornou um dos mais solicitados por sua confiabilidade. Mas, seu uso indiscriminado — e muitas vezes desnecessário — pode oferecer não só riscos ao consumidor como percalços àqueles que não estão registrados no cadastro. O problema é que há muita dificuldade para evitar, identificar e remediar o mau uso do documento.

 

Longe de estar relegado à temporada de declaração do Imposto de Renda, o CPF aparece em muitas outras situações. Alemã de Munique, a estudante Jennifer Niklas, de 27 anos, aprendeu sobre a popularidade do documento ao chegar no Brasil, há dois anos. Sem o número, compras na internet estavam vetadas.

 

— Quando cheguei, tinha que deixar meu namorado e amigos pagarem tudo o que fosse pela internet porque tudo pedia CPF. Compra de ingresso para show na internet, nem pensar. Querem registrar tudo aqui. Na Alemanha, você pode comprar qualquer coisa na loja, não precisa dar qualquer número — compara.

 

Agora casada com um brasileiro, a alemã tirou um CPF para estrangeiros. A burocracia é imposta aos que visitam o país. Nada que outro patrimônio nacional, o “jeitinho”, não ajude.

 

À margem: Jennifer não conseguia comprar nem com cartão antes do CPF (Foto:  Fabio Rossi / Fabio Rossi)

 

— Minha mãe me visitou e teve problemas para usar o chip para celular. As operadoras exigem o CPF para registrar o número. No fim, um dos atendentes na loja usou o CPF dele mesmo para habilitar o chip. É muito louco isso — diz.

 

Risco à privacidade e à proteção de dados

 

A Receita Federal determinou, em dezembro, que se informe o CPF em pagamentos a médicos, odontólogos, fonoaudiólogos, fisioterapeutas, terapeutas ocupacionais, psicólogos, psicanalistas e advogados. Para Ricardo Morishita diretor de Projetos e Pesquisas do Instituto Brasiliense de Direito Público, se o dado não é exigência do governo, deve ser preservado o exercício da liberdade:

 

— As autoridades determinam quem e quando tem de usar o CPF. Fora disso, a solicitação tem de ser absolutamente razoável. Afinal, existe uma questão de privacidade e proteção de dados: ao informar o número do documento, a pessoa fica mais exporta a situações de risco.

 

A exigência do CPF em compras em cartão ou cheque é razoável, para Karina Penna Neves, coordenadora de Direito Privado do escritório Innocenti Advogados, por questão de segurança.

 

— Embora os estabelecimentos também usem a informação para mailing, na maior parte das vezes a coleta do dado se dá por segurança. Em compras com cartão, visam a evitar a ação de falsários. Se o varejista não pede identificação, depois pode ser responsabilizado judicialmente em eventual ação de indenização da vítima da fraude — afirma. — Já para pagamento em dinheiro, a loja não pode exigir. O consumidor pode se recusar a fornecer e exigir a realização da compra sob pena de indenização.

 

Essa não é a opinião de Roberto Mateus Ordine, vice-presidente da Associação Comercial de São Paulo, para quem as lojas não podem exigir CPF nem nas compras com cartão de crédito. No cheque, o número já é informado, lembra.

 

— O CPF só deveria ser exigido em vendas on-line e transferências bancárias — afirma.

 

Na avaliação da Fecomércio-RJ, a informação é indispensável só em transações por internet, mas a entidade destaca que o consumidor tem benefícios ao incluir o CPF na nota fiscal. “O consumidor, se preferir, pode se recusar a informar o número do documento”, afirmou a federação, lembrando, contudo, que no Rio é possível solicitar a restituição do ISS embutido no preço. A associação paulista frisa que em São Paulo o consumidor se beneficia da reversão de parte do ICMS.

 

A exceção fica por conta de estados que criaram obrigações locais, diz advogado Rubens Krischke, sócio do setor Contencioso Estratégico da Siqueira Castro Advogados. Na Bahia, a informação é obrigatória em aquisições acima de R$ 400. Também na maioria dos estados não é obrigatório o CPF para trocas. Mas isso virou uma prática que incomoda os consumidores.

 

— Hoje em dia, as lojas sempre pedem o CPF na hora da troca e reclamo, me nego — queixa-se Wanda Barros, dando como exemplos de prática recorrente as Lojas Renner.

 

Segundo as Lojas Renner, o registro do CPF do cliente no vale-troca de mercadorias é feito pela segurança do consumidor, pois o torna intransferível e evita fraudes. A varejista afirma que os dados fornecidos são tratados com sigilo.


Fraude é indentificada por acaso

 

Foi justamente a necessidade de informar o CPF em compras on-line que levou Caroline Stelitano Tavares a verificar que seu nome e CPF estavam em uso por outra pessoa. Ao tentar se cadastrar no site do Extra, descobriu que já havia uma inscrição com seu documento. Tentou contato com a empresa, sem sucesso. Mas, após queixar-se a esta seção, conseguiu que a varejista desvinculasse o número do e-mail cadastrado pelo fraudador. Ele tentou comprar um celular e um álbum de figurinhas, sem sucesso. Ao GLOBO, a Cnova, gestora das lojas virtuais da varejista, destacou que “este tipo de tentativa de fraude não é comum” e que investe em “ferramentas de ponta para prevenir fraudes”.

 

Frequentemente, as pessoas só tomam conhecimento do desvio quando recebem correspondência cobrando algum débito ou quando surge uma restrição a crédito. Krischke recomenda que o consumidor tente descobrir onde os dados foram desviados e que faça uma comunicação formal por meio do SAC, tomando nota do protocolo, e boletim de ocorrência:

 

— Depois, o jeito é ir a órgãos de defesa do consumidor e à Justiça.

 

Descendente direto do Cartão de Identificação do Contribuinte (CIC), o CPF foi instituído em meados dos anos 1980, com a reformulação do sistema tributário. Ao longo dos anos, passou a ser usado por instituições bancárias, o que lhe conferiu mais confiabilidade.

 

— A razão (do amplo uso do CPF) é muito simples: não há qualquer outro número confiável no Brasil. O PIS não serve para nada, empregadores podem solicitar diversos números para o mesmo trabalhador. A carteira de identidade (RG) não serve para nada, é um número estadual, não verificável — pontua Everardo Maciel, ex-secretário da Receita Federal e responsável pelo aprimoramento do cadastro na época.


Ex- sevretária da Receita vê convêniência

 

Em 2010, o governo federal lançou o projeto-piloto do Registro de Identidade Civil, um cartão com chip, que, em dez anos, deveria substituir o RG em todo o país. Segundo o Ministério da Justiça (MJ), a proposta precisou, entretanto, ser reformulada em 2012 devido a questões técnicas. O projeto não saiu do papel e hoje ainda é possível que um brasileiro tenha várias identidades.

 

— O CPF é uma chave de cadastro para um registro público e não chega à contabilidade fiscal. O fato de a loja pedir o número não dá a ela qualquer informação a respeito da vida pessoal. Não está invadindo a vida de ninguém. É absolutamente conveniente e necessário à segurança dos negócios. No Brasil, foi o CPF que serviu a essa função, mas poderia ter sido qualquer outro número — defende Maciel.

 

Especialista em segurança da informação, Lincoln Werneck ressalta, entretanto, que a ausência de legislação que proteja os dados pessoais facilita o uso indevido de documentos.

 

— O CPF é único, mas quantas fraudes já vimos? É um problema do Brasil, onde existem cibercriminosos que vendem bancos de dados com CPF. A solução é uma lei que puna os vazamentos e defina que as informações em bancos de dados sejam criptografadas e armazenadas num sistema seguro. No caso de informações detidas pelo governo, é fundamental que o acesso seja restrito, evitando cópias — diz Werneck, que é consultor da Clavis e diretor-geral do Instituto Coaliza, voltado à educação digital.

 

O MJ trabalha num projeto de lei sobre o tema e pretende enviar o texto final à Presidência até meados do ano para que seja posto em votação no Congresso. Legislações sobre a segurança de dados pessoais já estão em vigor em países como Espanha, EUA, Argentina, Chile e Bolívia.

 

O acesso a alguns serviços públicos e benefícios também está vinculado ao CPF. O Cartão Nacional de Saúde, por exemplo, é feito a partir do documento, embora o Ministério da Saúde afirme que ninguém deixa de ser atendido por não estar inscrito no cadastro. A retirada de medicamento nas farmácias populares também.

 

— O CPF é o quarto em uma lista de documentos que todo cidadão precisa ter. Só é possível emiti-lo após o título de eleitor, identidade e certidão de nascimento. É um problema grave para a população carente — afirma a juíza Raquel Chrispino, da Comissão para Erradicação do Sub-Registro de Nascimento, da Corregedoria Geral do Rio.

 

Fonte: oglobo.globo.com

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