28 de Marco de 2024 - Ano 10
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19/06/2014

Rompendo a censura: Carlos Lacerda entrevista o ministro José Américo

Foto: Reprodução

Carlos Lacerda e o ministro José Américo

Entrevista concedida pelo ministro José Américo ao jornalista Carlos Lacerda, do jornal Correio da Manhã, do Rio de Janeiro, em 22 de fevereiro de 1945, rompendo a censura à imprensa.


“Nesta hora não me nego a falar. Ao contrário, julgo chegado o momento de todos os brasileiros opinarem. Esta é uma hora decisiva que exige a participação de todos no rumo dos acontecimentos.”

 

Com estas palavras o Sr. José Américo de Almeida, chefe civil da Revolução de 30 no Norte, Ministro da Viação e depois candidato à Presidência da República, volta à participação ativa na vida pública. Baseado precisamente nessas credenciais e na sua condição de escritor, o que, no seu modo de ver, importa em compromisso perante a opinião nacional, o Sr. José Américo, atualmente Ministro do Tribunal de Contas, invoca as decisões do Primeiro Congresso de Escritores Brasileiros, reunido em São Paulo em janeiro deste ano, para acentuar a obrigação de os homens de pensamento tomarem atitude ante “os problemas de sua época e do seu povo”.

 

“Todos devem intervir na vida pública, segundo sublinhou bem a Declaração de princípios dos Escritores. Por isso mesmo saio do retraimento em que me tenho mantido para manifestar uma opinião sincera em relação ao problema fundamental do meu País.”

 

Na varanda de sua casa da Rua Getúlio das Neves, com raras interrupções _ a netinha que vem pedir um envelope, a empregada que traz o café, a chegada de um amigo -, na paz das samambaias umbrosas, junto à massa do Corcovado, ao fundo da pequena rua, o Sr. José Américo faz as suas declarações. Em plena maturidade, sem os óculos que os caricaturistas celebrizaram em duas espirais representando as lentes grossas, baixando um pouco a cabeça para falar, num jeito modesto e tímido, mas inexorável de dizer as suas verdades, é indisfarçável a emoção com a qual ele se dirige à opinião brasileira.

 

“O povo me entende porque eu sempre procurei ser sincero, simples e direto. Falo de consciência tranqüila e coração aberto”.


Para ele o problema nacional é menos político do que moral. “Acredito na existência da sensibilidade moral do nosso povo. Não sou um desencantado. Sei quanto vale o homem brasileiro”.

 

Romancista da gente nordestina, ele acredita profundamente no vigor essencial do brasileiro. Sendo o primeiro a proclamar a crise moral que lavra fundo na consciência nacional, considera possível curá-la com os próprios recursos da democracia, já que foi o regime autoritário que a agravou. A autoridade das suas palavras provém menos da experiência dos homens e das coisas do Brasil do que da maneira pela qual parece encarar essa própria realidade.

 

O Sr. José Américo é uma força telúrica. Parece, realmente, um homem profundamente enraizado na terra. A sua emoção, hoje fortalecida pelo ostracismo e pela dignidade com que soube esperar, ressurge agora com a força concentrada da longa meditação sobre os homens e os fatos do País. Não existe amargura, antes alegria, ainda que discreta, nas suas palavras. E ele se prepara, com um indisfarçável orgulho, para enfrentar as conseqüências de suas atitudes, considerando necessário falar agora, nunca depois deste momento.

 

“No momento em que se pretende transferir a responsabilidade da situação dominante no Brasil da força que a apóio para a chancela do povo é a própria ditadura expirante que nos dá a palavra.

 

É preciso que alguém fale, e fale alto, e diga tudo, custe o que custar”.


Clandestinidade e sinceridade


“Já todos sabem o que se está processando clandestinamente. Forja-se um método destinado a legalizar poderes vigentes, a manter interventores e demais autoridades políticas, pela consagração de processos eleitorais capazes de coonestar essa transformação aparente.

 

Mas – acentua – uma Constituição outorgada não será democrática porque lhe falta a legitimidade originária. O projeto que se anuncia, mas que não foi ainda divulgado devia ser submetido a uma comissão de notáveis e à consideração de órgãos autorizados, como a Ordem dos Advogados, sempre atenta na defesa de nossas tradições jurídicas e ideais democráticos, que nunca deixou de associar como criações do mesmo espírito, para receber finalmente a aprovação ou modificação de uma Assembléia Constituinte, assegurados debates livres e capazes de permitirem que todos acompanhassem a elaboração da carta fundamental da Nação. Assim o documento seria legítimo.”


Palavras ao chefe do Governo


O Sr. José Américo prossegue:

 

“Nunca mais me avistei com o Sr. Getúlio Vargas. Mas não somos inimigos. A habilidade que eu reconheço nele é a de não irritar adversários – pelo menos até uma certa época. Se eu pudesse ter um contacto com o Sr. Getúlio Vargas, nesta hora, eu que lhe falei com franqueza e não raro com proveito pela fidelidade com que lhe transmitia a impressão de certos atos de governo, fora do âmbito palaciano, segundo reconheceu na carta que me dirigiu por ocasião da minha saída do Ministério, eu lhe diria:

 

- Faça de conta que sou aquele Ministro que nunca lhe faltou com a verdade.”

 

E a seguir enumera o Sr. José Américo os argumentos que iria apresentar ao seu antigo amigo e Chefe de Governo para demovê-lo da idéia de se apresentar candidato á Presidência da República, caso esse desejo esteja em suas cogitações.


Falta de apoio


Segundo o Sr. José Américo, seriam estes os argumentos:


“1 – Falta de apoio do mundo político. Amigos do Sr. Getúlio Vargas que lhe merecem a maior confiança já consultaram setores dos mais ponderáveis da opinião e chegaram à evidência de que lhe faltaria esse apoio imprescindível, não só para assegurar o êxito de uma eleição livre, como para autenticar a nova feição do seu poder.

 

2 – Em conseqüência, ficaria o candidato reduzido ao quadro atual do governo, restrito e fatigado.”

 

Passa o Sr. José Américo a fundamentar essas afirmações:


“O Brasil vai ingressar no seu momento mais difícil. E precisa, sobretudo, da união nacional para encontrar os meios necessários a uma estruturação democrática apta a lhe dar substância que fundamente a obra de restauração do após-guerra. Faz-se necessário, para tamanha empresa, além do concurso de massas, a utilização de todos os elementos de cooperação capaz, de todos os valores mobilizáveis da nacionalidade.

 

Precisamente isto - acentua - seria impossível se o atual Chefe do Governo se fizesse candidato. É certo que alguns chefes de estado têm permanecido no poder, em face da exigência de problemas graves. Mas renovando seu equipamento administrativo, o seu corpo de auxiliares. E quanto maior a crise, mas profunda essa mudança de valores.”

Crise de confiança


“Ora, essa substituição não poderia realizar em conseqüência da crise de confiança declarada no país. Para atender aos reclamos da pacificação nacional, numa obra comum – direi – de salvação pública, seria necessário que o governo, como um todo, merecesse a confiança dos democratas. Mas a longa prática do poder, sobretudo de um poder discricionário, vicia os seus elementos políticos e administrativo, incapacitando-os, perante a opinião, para uma obra de renovação cívica e material. Esse material humano já dispõe de crédito para empreender uma nova aventura. E não se pode cogitar de aventurar quando estão em jogo os destinos supremos do Brasil. Já não se pode tentar nova experiência com esse elemento, incapaz de eliminar voluntariamente todos os vestígios do governo autoritário, porque:

 

1 – Ele se tornou suspeito perante a opinião democrática.


2 – Devido ao seu insucesso na obra administrativa.”


Um exemplo: São paulo


Conseqüentemente, para o Sr. José Américo, intimamente ligada à crise de confiança política existe uma crise, talvez ainda mais profunda, de confiança na capacidade administrativa da equipe política que compõe o governo.

 

“Vamos examinar um setor, por exemplo. E há de ser precisamente o exemplo da região nacional que, sendo a mais organizada e eficiente, é a que mais produz riqueza: São Paulo. Que é São Paulo, atualmente?”.

 

E o Sr. José Américo sintetiza:

 

“De vinte milhões cai para dois milhões de sacas a produção de café, enquanto, pela proibição de novas culturas, o cafezal existente, envelhecido, apresenta rendimento mínimo para o custeio elevadíssimo. Comprometidos o presente e o futuro da produção algodoeira. Um parque industrial não renovado, inclusive por imposições oficiais, e que, portanto, não poderá suportar a concorrência da industria estrangeira mesmo sob a proteção alfandegária, quando ressurgirem os produtores mundiais dotados de equipamentos moderno, ainda mais remunerador. Além do mais, lá, como em todo o Brasil, o flagelo da inflação agravando todos os problemas e interesses. E – o que pareceria inconcebível ver-se em todas as terras de São Paulo – esse grande celeiro chegando a sofrer necessidade e apelar para a produção dos estados do sul porque, tendo sido vedadas às novas plantações de café, cessou a cultura alternada de cereais que era feita pelos colonos!

 

Basta esse quadro – continuar - para mostrar que o Sr. Getúlio Vargas iria iniciar sem solução de continuidade uma nova fase de governo exatamente quando se está a encerrar uma outra e longa fase sem resultados compensadores.

 

Com a sua renúncia expressa à hipótese de sua candidatura, poderia ele recuperar sua popularidade. Reconciliado, assim, com a opinião publica, deixaria um saldo para futuramente ressurgir, com a maior e mais justa projeção.”

 

Eis nas suas serenas palavras o que o Sr. José Américo diria ao seu antigo amigo, o Presidente Getúlio Vargas, para evitar que por falta de uma advertência leal ele fosse levado a aceitar o lançamento do seu nome a sua própria sucessão.


Uma guerra que é nossa


Passa depois a analisar a guerra e a paz nas suas relações com o momento nacional:

 

“Embora não queiramos sofrer influências estranhas, evidentemente o Brasil tem de receber os reflexos da guerra, do caráter ideológico da guerra, que é uma luta pela sobrevivência e purificação da democracia. A guerra, com todos os seus males, é uma grande oportunidade para nos organizarmos e ocuparmos o espaço territorial do nosso País, desenvolvermos a exploração de nossas riquezas. A vitória que os nossos compatriotas da Força Expedicionária Brasileira foram buscar na Europa é uma vitória atual para a nossa geração, sim, mas sobretudo uma vitória para o futuro do Brasil. Já estava premeditada a partilha do nosso território, mesmo antes do litígio, com os países do Eixo, conforme documentos da maior gravidade que foram há tempos apreendidos, de maneira que triunfantes esses países constituiríamos um dos mais ricos despojos. Foi a resistência vital das democracias que salvou a nossa independência.”

União nacional e homem providencial


“Para atender às solicitações da guerra à consciência dos brasileiros, precisa o País de um governo de concentração nacional. Ora, um governo não se compõe de um só homem providencial e de um povo anestesiado. Já há dias lembrava o meu amigo Adolfo Konder que qualquer cidadão capaz pode ser Presidente da República – verdade elementar que íamos esquecendo. Um homem de bom senso e espírito amplo que convoque a cooperação de todos os patriotas e se cerque de auxiliares que, pelo seu valor e idoneidade, merecem a confiança nacional, esse homem, sim, poderá realizar o grande governo de que o Brasil, mais do que nunca, necessita. Assim, pois, reintegrado na ordem jurídica, fiadora dos interesses nacionais e estrangeiros que se disponham a colaborar na nossa riqueza, em ambiente de liberdade e justiça e conduzindo por essa poderosa consciência de sua própria predestinação, atravessará os dias difíceis de reajustamento das novas condições do mundo. Só organizado nesses moldes poderá valorizar a sua existência como nação e atender aos seus compromissos na reconstrução do mundo devastado. Um governo de equilíbrio, de ordem, de trabalho.”

A responsabilidade da crise


“Costuma-se responsabilizar a guerra pela depressão econômica do Brasil. Não me parece que seja exato esse conceito. Nem que se diga que a mobilização de um contingente mínimo em relação à nossa massa demográfica desviou atividades a ponto de prejudicar a normalidade produtiva que, ao contrário, devia ter sido desenvolvida, à maneira do que ocorreu em todos os países beligerantes exatamente para atender às novas necessidades criadas pela luta. Ao invés, o Brasil tem vivido, em parte, do estancamento e da paralisação de fontes produtoras, causados pela guerra em outros países. A guerra trouxe capitais, técnicos, cooperação na solução dos nossos problemas, descoberta de riquezas e valorização de produtos. Alguns Estados do Nordeste – para falar só nele – estariam famintos se não fosse a localização e valorização de seus minérios e produtos estratégicos.

 

De fato, a guerra prejudicou um pouco o abastecimento, mas unicamente porque foi permitido exportar mais que o possível, com prejuízo do consumo interno. Só a escassez do petróleo poderia ser atribuída à guerra, mas isso acontece até nos países produtores desse combustível e deve ser levada à conta da ausência de estoques que deveriam ter sido feitos logo que se manifestaram os primeiros sinais da tormenta a avizinhar-se.”

 

O Sr. José Américo fixa então o seu interlocutor e declara:

 

“O que houve realmente foi o maior pecado: a imprevisão.”

 

Imprevisão e incapacidade


“De fato, por imprevisão, a guerra nos surpreendeu já sem aparelhamento de transporte, com déficit de material nas estradas de ferro, empresas de navegação desorganizadas, carência de produção. Só assim se explica que as nossas cidades tenham chegado à crise de abastecimento que resulta:

 

1 – De falta de produção.


2 – Da falta de transportes terrestres e marítimos.


3 – E, mais prejudicial, da especulação que o governo não teve forças para controlar.


E deve-se considerar também a desorganização geral, cujo sintoma mais penoso são as filas em que as populações urbanas perdem o tempo e esgotam os nervos criando o ambiente de irritabilidade que já se pode observar com certa inquietação.”


Há uma pausa na enumeração, visivelmente destinada a assinalar o aspecto seguinte:


“4 – O outro fator é a intervenção de um Estado desaparelhado e incapaz. Essa intervenção perturbou uns tantos problemas que a iniciativa particular ia conduzindo com relativa facilidade. O Estado incapaz, ao intervir, criou casos de perturbação, ora pelo retraimento da iniciativa particular, ora pelo seu iniludível efeito sobre o nível dos preços das utilidades.”


E assim, com a sua característica franqueza, o Sr. José Américo feriu de frente a origem do problema do abastecimento, definindo a causa da crise da carne, do peixe, de ovos, do leite, da manteiga, do sal, etc.


“E – acrescentou ele – por que não dizer do açúcar, em que se transformou, aberrantemente, o fenômeno da superprodução em severo racionamento? Finalmente, da carência de tudo que aflige a população e que se procura em vão subtrair à responsabilidade do governo transferindo injustamente essa responsabilidade à emergência da guerra.”


E muito simplesmente conclui:


“Esta é que é a verdade e todos sabem o que eu digo. Todos sentem e comentam essas deficiências e esses erros. Basta comparar o aumento do custo de vida em países muito mais duramente atingidos pela guerra com o de astronômicas proporções que se registrou no Brasil para ver que a guerra não é a causa principal da nossa crise econômica. Por certo, mesmo com a previsão, que faltou, seria difícil improvisar muita coisa. Mas, mesmo com a imprevisão que evidentemente predominou, seria possível improvisar muito, no terreno da produção agrícola. Com a diversidade dos nossos climas, a caracterização de áreas de produção diversificável, seria possível intensificar, em poucos meses, a produção de cereais e outros gêneros de primeira necessidade.”


Concentração e esforços


O Sr. José Américo não nega que, “no decorrer de tantos anos, e a partir de 37, com uma soma de poderes que nenhum governante enfeixou no Brasil, ainda mais sem abalos da ordem pública, o governo tenha procurado encaminhar alguns problemas. Por exemplo, o da siderurgia”.

 

Mas acrescenta:

 

“Houve, no entanto, o abandono de iniciativas primárias, principalmente aquelas relacionadas com a produção e o transporte. É possível que tenha prevalecido a preocupação de impressionar com empreendimentos de maior vulto, de modo a justificar a fisionomia do regime. Mas, se tais empreendimentos absorveram atenções e recursos, não contribuíram para preterir atividades mais acessíveis e imediatas, destinadas, inclusive, a lastrear e garantir o êxito daquelas de mais remotos resultados. É, em suma, um governo que acaba exausto e impotente, apesar dos apelos imoderados à emissão de papel-moeda e da sangria fiscal.”

A política trabalhista


Exaltada por muitos e desconhecida por outros, em menor número, a legislação trabalhista atual, que tem sido tabu, passa a ser examinada pelo Sr. José Américo do ponto de vista da sua aplicação efetiva:

 

“Ela é avançada no papel – afirma o Ministro – mas não produz os benefícios apregoados. Está atrofiada pela burocracia e deformada pela propaganda. Desvirtuou-se pelo desvio na aplicação dos recursos acumulados pela contribuição compulsória de empregados e patrões. Falta-lhe um cunho mais prático de assistência social, pois as pensões mesquinhas que não dão para viver são ainda retardadas por um processo moroso e dispendioso. Recolhi, neste particular, os depoimentos mais imparciais de chefes de indústrias e médicos de fábricas que em contato com esta realidade reconhecem a precariedade da assistência oficial que se tornou, assim, inoperante. Essa política do trabalho infelizmente serviu menos aos interesses a que devia aplicar-se do que às paradas do regime com rigorosas sanções para os faltosos.”

 

A conclusão surge, inapelável:

 

“Efetivamente, portanto, a legislação trabalhista não está amparando, como devia, o operário brasileiro. Mesmo que tivesse outra orientação, estaria anulada nos seus efeitos pela falência de sua função essencial, que é garantir o bem-estar do povo. Basta verificar a situação de pobreza e miséria a que chegaram a classe média e a classe trabalhadora, no conceito do próprio General Góis Monteiro, em sua recente entrevista. Desde que falta o que comer, falta tudo. A fome é a suprema necessidade.”


Candidatos que podem e que não podem


“Só três brasileiros, na minha opinião, não podem ser candidatos à Presidência da República nesta quadra. Os dois primeiro somos eu e meu antigo competidor na malograda sucessão presidencial de 37, o Sr. Armando de Sales Oliveira. Na campanha da sucessão nós dividimos a opinião, como era natural em momento de normalidade eleitoral. Mas, hoje, precisamos estar unidos e contribuindo para a unificação das forças políticas do Brasil em benefício da restauração democrática.”

 

E o terceiro inelegível?

 

“O terceiro incompatível – afirma o Sr. José Américo – é o Sr. Getúlio Vargas, porque se incompatibilizou com as forças políticas do País. Malsinou tanto os políticos e as organizações partidárias, em seus recentes discursos, que os mais sensíveis, isto é, os mais briosos, já se arregimentaram contra ele. E o que convém à Nação é um homem capaz de fazer convergirem para o seu nome e o seu programa todas as correntes de elaboração.”


Um candidato irrevelado


“As forças políticas nacionais já têm um candidato. É um homem cheio de serviços à Pátria, representa uma garantia de retidão e de respeito à dignidade do País. As preferências já foram fixadas. Os campos estão definidos. Já quase não há neutros. As posições estão ocupadas para a batalha política.”

 

O Sr. José Américo acelera o ritmo de suas frases mas logo se refreia e observa:

 

“Nesta altura eu já estaria suspeito para falar em terceiro candidato. Mas, falando por mim, com a minha responsabilidade direta, não vejo homens, vejo soluções para o País. Se fosse possível suprimir essa linha de separação e congregar os brasileiros para que as energias não se consumissem e desperdiçarem na campanha eleitoral, mas em benefício geral no interesse do êxito dos problemas que mais os importam, se fosse possível encontrar, desde já, tão feliz solução, esta seria a forma mais indicada para a reconstrução política e material do Brasil.”

 

Acredita o Sr. José Américo que, neste caso, o candidato não se oporia à apresentação de um terceiro. Formula assim a sua confiança:

 

“Nesta hipótese, acredito que a fórmula de um terceiro candidato não seria recusada por aqueles mesmos que já tivessem a certeza da vitória.”

 

E analisa a possibilidade da vitória da candidatura do atual Chefe do Governo:

 

“Mesmo porque a vitória, caso fosse vencedora a candidatura do Sr. Getúlio Vargas, seria apenas o começo de nova luta a reacender-se no Brasil.”

 

Por quê? Responde o Sr. José Américo:

 

“Com governos constituídos pela oposição em vários Estados como São Paulo, Bahia, etc., uma Câmara dividida, a opinião a emergir alertada da sombra da censura, a inquietação suscitada pelo período de transformações políticas que se vai inaugurar no mundo em busca de novo padrão, de equilíbrio e aperfeiçoamento progressivo da democracia, ampla liberdade de crítica que o regime que se vai instituir tem de franquear para não renegar sua própria essência, a vitória da candidatura Getúlio Vargas, nas condições em que se debate o Brasil, com todos os seus elos de coesão desfeitos, inclusive os partidários, seria enfim o mergulho na anarquia.

 

Poderia alguém governar nesse caso? A precariedade, ou melhor, a gravidade das condições gerais é que impõe a assistência de todos os brasileiros à tarefa de dirimir tais crises e dificuldades, o que só se positivaria em torno de uma figura que atraísse a confiança geral.”

 

Eis por que o Sr. José Américo declara:

 

“Sem ter consultado ninguém, e apenas como resultado de minhas observações, conduzo-me nesta hora pela inspiração patriótica com que, ao apagar das luzes de 1937, me prontifiquei a renunciar em favor de um terceiro candidato, procurando desse modo conjurar o golpe de Estado então iminente. O General Eurico Gaspar Dutra e o Sr. Batista Luzardo são testemunhas dos passos espontâneos que dei nesse sentido. Certo de que os outros têm anda mais pronta do que eu a capacidade de renunciar e de abrir mão de vitórias pessoais, quando assim o impõe o bem do País, é que proponho essa indicação capaz de criar a unidade nacional mais instante do que sempre. Não tenho dúvida de que o nosso candidato anuiria à escolha de um terceiro, uma vez afastada a possibilidade da candidatura do Sr. Getúlio Vargas.”


Novas perspectivas


“Encontraríamos assim o caminho da paz interna com que ajudaríamos a sustentar com os nossos aliados a paz e a segurança universais e do futuro esplendoroso que nos aguarda no após-guerra, se tivermos juízo e patriotismo, compreensão e desprendimento, cada um voltado menos para o seu egoísmo do que para as perspectivas da grande civilização que poderemos fundar nessa nova etapa do mundo.

 

Nosso bom povo do Brasil merece respeito pela sua sorte e pelas suas decisões. Já disse que confio nele. Deverá esse Brasil do futuro valorizar o homem, esse homem resistente que realiza o milagre da sobrevivência entre tantos fatores adversos e tanto abandono da sua própria condição humana. Precisamos tratar da saúde desde o nascimento, reduzindo essa espantosa mortalidade infantil que representa o maior desfalque para o nosso progresso natural. Precisamos resolver o problema da casa, que eu disse ter solução, quando fui candidato.”

 

“Eu sei onde está o dinheiro”. Disse o Sr. José Américo num discurso famoso, referindo-se ao custeio da habitação popular com o dinheiro acumulado pelos Institutos, mas que hoje não se poderia resolver depois de tanto tempo de soluções minguadas tentadas pelos Institutos, pelo simples motivo de que uma casa padronizada, que naquele tempo custaria quinze contos, ficaria hoje por cinqüenta e sessenta mil cruzeiros.

 

“O novo governo terá de cuidar da alimentação que já era precária e foi agravada, nos últimos anos, pela maior crise de abastecimento de que há notícia em nossa história. Deverá cuidar da educação não pelo primitivismo do A B C, mas para preparar a criança para a vida moderna. Terá de reformar a política e sobretudo os costumes para que o homem brasileiro possa ficar ao nível dos povos livres, civilizados e eficientes e à altura da grandeza da terra que a Providência lhe doou.”


Afirmação da responsabilidade nacional


“Os problemas do presente e os do futuro imediato, na recuperação da democracia, na sua revalorização, na produção e intensificação da riqueza nacional, dependem no momento – não me canso de repetir – da união de todos os valores da vida brasileira, da conjugação dos esforços de todo o povo.

 

Pelos motivos expostos, considero inviável a eleição do Sr. Getúlio Vargas, dos seus interventores, da sua estafada máquina administrativa, do seu reduzido quadro político. Reproduzo aqui o que tenho meditado e o que diria ao Sr. Getúlio Vargas, pessoalmente, caso me fosse facultada essa oportunidade. Com isso dou-lhe uma prova de que não me desinteressei de todo pela sua sorte e, ainda mais, como sempre tenho procurado fazer, do respeito ainda maior que devo à verdade.”

 

E o Sr. José Américo conclui pela afirmação de que mais vale a luta do que a estagnação:

 

“Caso, porém, não se verifique a desistência da sua propalada candidatura, ainda pior do que a luta da sucessão é a estagnação do espírito público. Neste caso, uma campanha de respeito recíproco, de garantias cívicas efetivamente asseguradas por autoridades insuspeitas, um severo regime de responsabilidade para os agentes do Poder que se utilizem da máquina administrativa, dos dinheiros públicos ou da força para fins partidários, o funcionamento da Justiça Eleitoral, um pleito sinceramente efetuado, no qual o vencido pudesse respeitar o vencedor, submetendo-se ao resultado das urnas, seria também – e quanto! – uma forma de paz, paz nacional, de união do Brasil. A eleição por processos idôneos não desune. Ela reconcilia a Nação consigo mesma e restabelece o rumo do seu legítimo destino democrático.”


Cumprimento de um dever


Ao finalizar a sua entrevista, o Sr. José Américo declarou:

 

“Cumpri um dever. Falei por mim e sinto ter interpretado também o pensamento ainda vedado do povo brasileiro. Fui levado a exprimir-me desta forma por um poder de determinação que nunca me abandonou nos momentos decisivos.”

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