Redução em atividades de lazer e até mesmo venda de utensílios da casa são feitas para organizar o orçamento
Foram o ar-condicionado, o teclado, o cavaquinho e, por último, o smartphone. Deram lugar às compras de supermercado na casa de Priscilla Carlos, de 27 anos, Wagner Carlos, de 40, e dos três filhos, de 11 anos, 6 anos e 8 meses.
Nos últimos cinco meses, a família de Mesquita, na Baixada Fluminense, viu a renda despencar de R$ 3 mil mensais para zero, com a demissão dos dois no fim do ano passado.
— Ou vendíamos para comer ou passávamos fome. Chegamos ao ponto de olhar um pro outro e chorar. Os meninos têm merenda na escola. De noite, comemos feijão com farinha. Não tem arroz — diz Priscilla, demitida de uma empresa de serviços gerais.
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Os economistas não são os únicos a projetar uma economia mais fraca este ano — do avanço de 2,5%, estimado no início de 2019, para 1,7% agora. Com a demora de sinais de melhora no mercado de trabalho, a insegurança aumenta nas famílias após mais de quatro anos de alto desemprego e renda estagnada.
O medo do desemprego , que chegou a cair com a expectativa do novo governo, voltou a subir para 57 pontos, de acordo com pesquisa da Confederação Nacional da Indústria (CNI). O indicador só foi maior no início dos anos 2000 — o levantamento é feito desde 1996 —, logo após a desvalorização cambial que fez a economia estagnar no ano seguinte. Entre os que ganham menos, como a família de Priscilla e Wagner, esse medo sobe para 68 pontos. A média histórica é de 49,9.
Necessidade de reformas
Para analistas, a perspectiva de reformas como a da Previdência e a tributária, que podem melhorar as contas públicas e aumentar a confiança dos empresários para investir, pode significar uma luz no fim do túnel do mercado de trabalho. Desde que o Brasil registrou a menor taxa de desemprego, de 6,2% no último trimestre de 2013, o índice dobrou e não cede. O país já tem 13,4 milhões de desocupados, 7,4 milhões a mais que no fim de 2013.
— O Brasil tem que fazer as reformas sim, mas sem perder o olhar para desigualdade. Tem que resolver a questão fiscal e sair dessa situação de incerteza, para dar um choque de confiança e reativar o mercado de trabalho — diz Marcelo Neri, diretor da FGV Social.
Ele lembra que o mercado de trabalho chegou a recuar seis anos em seis meses e que o bem-estar (indicador que une desemprego e desigualdade) desceu a ladeira após 2014:
—Estamos num momento pior que antes de 2012. O PIB teve alguma retomada (a economia cresceu 1% em 2017 e em 2018), mas, no índice de bem-estar, houve perda.
Falta dinheiro até para o ônibus
O desemprego derrubou a qualidade de vida na casa de Irani Pacífico e Ednaldo Moraes. Ela foi dispensada do emprego de vigilante há dez meses e se juntou às três filhas, de 20, 26 e 31 anos, todas desempregadas. Ednaldo, que trabalha na construção civil, é o único salário da casa. A renda da família caiu de R$ 4 mil para R$ 1.800 por mês. Agora, eles têm que decidir quem sai para procurar emprego. Não há dinheiro para a passagem de ônibus para as quatro desempregadas ao mesmo tempo.
— Compras no mercado, luz, gás e água não podem faltar. Cartão de crédito, com juros, pode esperar. A gente balanceia uma, balanceia outra, e vai vivendo — diz Ednaldo.
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Com a crise no mercado de trabalho, a massa de renda dos trabalhadores não cresce desde novembro, afetando o consumo. Quase metade do orçamento das famílias está comprometido com dívidas. São 63 milhões de inadimplentes, afastados do crédito.
Com o poder de compra comprometido, a indústria, que historicamente elegia a alta carga tributária como o principal problema, começa a ver a demanda insuficiente como o principal entrave aos negócios. Foi essa a leitura de quase 40% dos empresários industriais em março, de acordo com a sondagem da indústria da CNI.
O Globo