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28/03/2020

A interminável quarentena de Mary Mallon Compartilhe

Foto: Divulgação

O período entre a exposição e o início da manifestação dos primeiros sintomas pode variar entre 3 a 60 dias,

Causada pela bactéria Salmonella enterica typhi, a febre tifoide ou febre entérica é transmitida ao homem através de água e alimentos contaminados pelos bacilos da doença presentes nas fezes e urina humana dos portadores ativos ou pelo contato direto com esses fluídos (mão-boca). Por isso essa enfermidade é considerada endêmica (típica de uma certa região) nos locais em que as condições sanitárias e de higiene pessoal ou comunitária são precárias ou inexistem.

 

Como a Salmonella typhi pode se multiplicar no interior das células de defesa, a infecção se dissemina por todo o organismo. O período entre a exposição e o início da manifestação dos primeiros sintomas pode variar entre 3 a 60 dias, mas geralmente fica entre 7 e 14 dias na maioria dos casos.

 

Nesse período infeccioso, a pessoa pode não adoecer. Inclusive essa também pode nem apresentar manifestações clínicas e ainda assim continuar eliminando os bacilos da bactéria pelas fezes e urina.

 

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Cerca de 2 a 5% das pessoas, mesmo após serem tratadas, acabam se tornando portadoras crônicas da doença, o que acaba sendo mais comum em menores de 5 anos, mulheres com patologias biliares e idosos. Esses que enquadram o grupo crônico podem eliminar a bactéria nas fezes por mais de um ano, sendo um grande transmissor da doença.

 

Apesar de ter sido descrita pela primeira vez em 1880, a doença data de muito antes disso, inclusive foi a responsável pela morte da Princesa Leopoldina, em 1871.

 

Em 1907, Mary Mallon se tornou a primeira proliferadora, que talvez tenha sido julgada por mais do que isso.

 

Os primeiros passos de Mary

 

Filha de John e Catherine Igo Mallon, Mary Mallon nasceu no dia 23 de setembro de 1869 num pequeno vilarejo na cidade de Cookstown, na Irlanda. Apesar de a mulher ter se tornado uma espécie de paciente zero de sua condição clínica, pouco se sabe sobre a sua infância e adolescência. A sua vida adulta, no entanto, foi documentada através dos lugares por onde ela passou e as pessoas com quem conversou que ficaram para trás para contar mais sobre a sua história.

 

Mallon imigrou para a América em meados de 1883, quando tinha cerca de 15 anos de idade, e passou a viver com um casal de tios. A mudança se deu pelo fato de que os seus pais almejavam um futuro melhor para ela, o que não era nada diferente do desejo de tantos outros que alimentavam o já famoso “sonho americano”.

 

Sendo assim, seguindo praticamente a tradição linear de a maioria das mulheres imigrantes irlandesas, Mary Mallon conseguiu um emprego como empregada doméstica. Logo ela acabou mudando de cargo e passou a trabalhar como cozinheira – que pagava melhor do que qualquer outro serviço doméstico da época – exercendo tudo o que havia aprendido com a sua mãe durante toda a sua infância na Irlanda.

 

Entre o período de 1900 a 1907, morando na cidade de Nova Iorque, Mary Mallon trabalhou para mais de sete famílias. Logo no início de sua atividade, ela prestou seus serviços em Mamaroneck, em Westchester, e em menos de duas semanas empregada, toda a família desenvolveu febre tifoide, que na época estava começando a atingir mais um pico de infecção. No ano seguinte, em 1901, já em outro emprego, os residentes tiveram febre e diarreia e em poucas semanas a lavadeira da casa morreu depois de ter passado um longo período doente. Na casa seguinte, de um advogado endinheirado de Manhattan, sete das oito pessoas na casa ficaram doentes. E então Mary migrou mais uma vez.

 

Já no verão de 1906, um banqueiro chamado Charles Henry Warren planejou uma viagem de férias com a sua família em que alugaram a casa de George Thompson, em Oyster Bay, Long Island. Warren contatou a já conhecida Mary Mallon para ser a cozinheira de verão deles.

 

No dia 27 de agosto, uma das filhas de Warren adoeceu com os sintomas expressos da febre tifoide. Em seguida, foi a vez da esposa, de duas criadas, de o jardineiro e mais uma filha do casal ficarem doentes.

 

Investigando Mary

 

Mary já intitulada como "Mary Tifoide"

 

Como os donos da casa tinham conhecimento de que a febre tifoide normalmente era transmitida através de água ou alimentos contaminados, os Thompsons, temendo que não pudessem alugar mais o imóvel, decidiram ir atrás de investigadores para que rastreassem a fonte do surto.

 

Eles encontraram George Soper, que não era um investigador, mas um engenheiro por formação e especialista em saneamento, com vasta experiência em surtos de febre tifoide. Uma vez que Soper tinha o conhecimento de que uma pessoa poderia servir como transportadora da bactéria, ele logo voltou a sua atenção para Mary Mallon, que havia chegado três semanas antes da primeira pessoa ficar doente.

 

Soper mapeou a vida da cozinheira desde 1900, quando ela começou a trabalhar, e descobriu que 22 pessoas ficaram doentes e também morreram ao longo do caminho que Mary percorreu de casa em casa. Para confirmar as suas suspeitas, o detetive precisava de amostras de fezes e urina da mulher para provar cientificamente que ela era a fonte.

 

Em março de 1907, Soper encontrou Mary trabalhando na casa de Walter Bowen e teve uma conversa com ela acerca de suas suspeitas. No entanto, Mary não reagiu bem ao tom intimidar do homem acabou atacando com um garfo o detetive, que escapou por pouco.

 

Ele, por sua vez, seguiu a mulher até a casa dela, mas Mary o insultou e o ameaçou mais uma vez, se recusando a ouvir qualquer explicação. Afinal, os anos na América tinham lhe mostrado como as mulheres como ela eram tratadas. Não podia baixar a guarda.

 

Soper entregou a sua pesquisa e hipóteses a Herman Biggs do Departamento de Saúde de Nova Iorque. Unindo forças com o médico e a polícia, eles perseguiram Mary Mallon onde ela trabalhava e depois pela vizinhança quando a mulher conseguiu escapar por cima de uma cerca, temendo a abordagem. Depois de cinco horas de buscas, eles a contiveram e a levaram contra a sua vontade para que fosse hospitalizada.

 

O isolamento de Mary

 

(a terceira da direita para a esquerda) Mallon sentada entre outras infectadas

 

Levada para uma clínica localizada na ilha de North Brother Island, Mary Mallon passou os seus primeiros dois anos de quarentena tendo as fezes, urina e fluídos corporais colhidos toda a semana. Das 160 amostras, 120 delas testaram positivo para febre tifoide, embora a mulher não manifestasse nenhum sintoma.

 

Convicta de que estava totalmente saudável e que o governo estava a mantendo ali ilegalmente, depois de dois anos de sofrimento e solidão, Mary processou o Departamento de Saúde. Por quase um ano antes do julgamento, ela também enviou amostras para um laboratório particular onde todas apresentaram resultado negativo para a doença. Sendo assim, não restou sombra de dúvidas de que ela estava presa injustamente.

 

Mary declarou que em uma vida inteira ela jamais havia manifestado os sintomas ou sofrido com a doença. Contudo, ela não entendia nada sobre a febre tifoide então não tinha como saber que as pessoas podiam ter um caso tão fraco da doença que só experimentariam sintomas semelhantes aos de uma gripe. Com isso, ela bem poderia ter tido a febre, mas sem nunca saber.

 

O juiz decidiu a favor do Departamento de Saúde e Mary Mallon viu a vida ser entregue novamente em custódia do orgão do governo. Agora nacionalmente apelidada pela mídia como “Mary Tifoide”, a mulher foi forçada a voltar para a sua cabana isolada no complexo médico, por onde viveu por mais dois anos.

 

276 meses

 

Mallon no leito onde passou anos em quarentena

Foto: Reprodução

 

Em 19 de fevereiro de 1910, uma comissária de saúde decidiu que Mary poderia ter a sua liberdade de volta se concordasse em nunca mais trabalhar como cozinheira, uma vez que os seus fluídos poderiam se misturar com a comida. Mallon aceitou as condições, inclusive de reportar as suas atividades e métodos de higiene como precaução para que não infectasse mais ninguém.

 

Em virtude de uma realidade difícil em que os serviços domésticos não pagavam o suficiente para que ela pudesse não só sobreviver, a mulher acabou não cumprindo com o combinado. Sentindo-se perfeitamente saudável e sem oportunidades, Mary voltou a trabalhar como cozinheira sob o pseudônimo de Sra. Brown, já que o seu nome tinha sido manchado pela mídia.

 

Em janeiro de 1915, a maternidade Sloane, em Manhattan, padeceu com um surto de febre tifoide onde 25 pessoas adoeceram, sendo que duas delas morreram. Não foi difícil chegar a cozinheira recém-contratada, Mary Mallon sob o nome falso. A comoção do público que uma vez se opôs ao encarceramento à força de Mallon há anos, desapareceu assim que eles descobriram a sua conduta imprudente e, aos olhos deles, assassina até.

 

Desprezada pela sociedade e declarada como uma ameaça viva pelos anais da época, Mary Mallon foi banida de volta para North Brother Island, na mesma cabana velha. Ela passou a ajudar no hospital de tuberculosos e depois no laboratório do local. Em dezembro de 1932, Mallon sofreu um derrame que a deixou paralisada e causou a sua transferência para uma cama na ala infantil da ilha.

 

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No dia 11 de novembro de 1938, após 23 anos de quarentena, Mary Mallon morreu sob os mesmos olhares de censura de uma América que na época não só a condenou por ela acreditar no próprio estado, quanto por ela ser mulher, imigrante, empregada e pobre.

 

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