26 de Abril de 2024 - Ano 10
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Internacional
26/10/2020

Estudo com morcegos e outros animais pode impedir nova pandemia

Foto: Editoria de Arte

Pesquisadores da Fiocruz usam rede especial para capturar morcegos, que passam por uma série de exames e coleta de secreções antes de serem libertados

 Sem alarde, sob a Lua minguante do início de setembro, começou no Rio de Janeiro uma nova frente de combate à Covid-19. Cobertos da cabeça aos pés por EPIs, cientistas da Fiocruz entraram numa floresta do Maciço da Pedra Branca, em Jacarepaguá, com um objetivo: capturar morcegos.

 

O interesse se explica: acredita-se que um vírus de morcego deu origem ao Sars-CoV-2. Ainda se sabe pouco sobre isso, e uma maneira de aprender é descobrir se os morcegos da Mata Atlântica foram infectados. Além disso, o grupo da Fiocruz tenta identificar e, claro, prevenir o alastramento de outros vírus com potencial de causar pandemias.


A escuridão esconde o caminho, mas logo fica claro que estamos no que os pesquisadores chamam de “zona quente” de emergência de doenças, densamente povoadas por humanos e animais selvagens.

 

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Basta ouvir: em um casa na borda da floresta, vozes entoam um hino evangélico; a elas se fundem cânticos e tambores de um culto afro, vindos de um ponto mais distante; a trilha sonora se completa com participação pontual de grilos e sapos. Latidos de cães e o relinchar de um cavalo perdido no mato escuro lembram: o urbano está logo ali. Mas à medida que se avança, surge o pio de corujas e assobios, quase trinados, de revoadas de morcegos.

 

Alinhado com estudos mundiais em curso da África à Ásia, o projeto é liderado pela Fiocruz Mata Atlântica em colaboração com os laboratórios de Vírus Respiratórios e Sarampo e de Virologia Comparada e Ambiental, ambos do Instituto Oswaldo Cruz (IOC/Fiocruz) e tem o apoio da fundação de fomento à pesquisa do estado, a Faperj.

 

O estudo, que inclui outros animais, combina investigação em laboratório com trabalho de campo. Este impõe a necessidade de se locomover pela mata de avental, máscara, face shield e lanterna de cabeça. No Rio, se acrescenta a dificuldade do calor, intenso mesmo numa noite de fim de inverno.

 

‘Quem espalha é o homem’


Mais de 200 tipos de coronavírus já foram descobertos em morcegos no mundo todo. Segundo o relatório “Prevenindo a próxima pandemia”, do Programa de Meio Ambiente da ONU, eles são a provável origem de todas as linhagens conhecidas, inclusive as que geraram a Sars (síndrome respiratória aguda grave) e a Mers (síndrome respiratória do Oriente Médio). Os mamíferos voadores também estão associados a outros vírus, como o ebola.

 

Um coronavírus de um morcego-ferradura chinês seria o ancestral do causador da Covid-19. Mas, o coordenador do estudo liderado pela Fiocruz, Ricardo Moratelli, explica que não existe qualquer prova de que o Sars-CoV-2 pulou direto do morcego.

 

— Essa linhagem circula em seres humanos há pelo menos 40 anos. E alguma mutação a fez pandêmica. Quem espalha a doença é o ser humano e dissemina não só entre as pessoas, mas também para os animais — afirma Moratelli.

 


O Brasil é o país mais rico do mundo em espécies de morcegos. Tem 15% delas, são 178, das quais 113 da Mata Atlântica. No Brasil, as colônias não costumam ser grandes, com algumas poucas dezenas de indivíduos. Mas estão em toda parte. De matas a vãos entre edifícios, telhados e árvores de praças.

 

No município do Rio de Janeiro já foram registradas 50 espécies de morcegos. Destas, pelo menos 29 ocorrem na reserva ecológica da Fiocruz Mata Atlântica, no Maciço da Pedra Branca, onde é realizado o estudo — ela oferece a vantagem de combinar espécies silvestres e urbanas.

 

Moratelli explica que florestas são filtros ecológicos, escudos que protegem as pessoas de doenças. Quando a floresta deixa de existir, os vírus se mudam. Eles não desaparecem. Procuram novos hospedeiros: cães, gatos, vacas, pessoas.

 

Quanto mais numerosos os novos hospedeiros, melhor para os vírus. Exemplo é a pandemia de Covid-19. Ou seja: matar morcegos só agrava o problema. O contato é que deve ser evitado.

 

— O ser humano rompe o equilíbrio ao entrar em contato com eles — diz o biólogo Roberto Novaes, especialista em morcegos, que orienta a captura na floresta. — Os morcegos prestam serviços fundamentais, como controlar pragas agrícolas e insetos vetores de doenças. Alguns dispersam sementes ou polinizam plantas como banana, caju e manga.

 

Detalhe: os morcegos carregam muitos vírus porque sobrevivem a eles. Acredita-se que a resistência tenha a ver com o fato de os morcegos serem os únicos mamíferos voadores. Voar demanda imenso custo metabólico e isso faz com que precisem ter um sistema imune robusto para dar conta de radicais livres, liberados pelo consumo energético do voo. Eles também têm grande capacidade de regeneração do DNA, caso contrário, não sobreviveriam.

 

Arte de pegar morcegos


Capturar morcegos em segurança exige planejamento e equipamento. Novaes e o especialista em levantamento de fauna da Fiocruz Mata Atlântica Iuri Veríssimo entram na floresta e espalham redes especiais. Pretas, elas se tornam quase imperceptíveis à medida que escurece. São finas, leves e resistentes, como fios de seda.

 

Morcegos se orientam por ecolocalização mas, ao contrário do que muitos pensam, enxergam bem. As redes precisam enganar sua visão e apurado senso de orientação. E só podem ser instaladas à noite, para evitar apanhar um passarinho desavisado.

 

Fotos: Márcia Foletto / Agência O Globo


Enquanto Novaes e Veríssimo instalam as redes, cientistas que estudam vírus montam uma espécie de laboratório de campanha num galpão próximo à mata. Eles entram na floresta de hora em hora para ver se morcegos foram pegos.

 

Menos de uma hora após o sol baixado, o primeiro morcego é capturado. Uma fêmea grávida, pesada para voar mais alto, se distraiu e ficou presa. A ela se seguem outros de diferentes espécies. Alguns são pequenos como pardais, outros do tamanho de pombos.

 

Os morcegos presos gritam, como se pedissem ajuda a seus bandos, que respondem com assobios e sobrevoam as equipes em campo.

 

— Precisamos manipulá-los com extremo cuidado para não feri-los, são muito delicados. Também não podemos nos contaminar com qualquer micro-organismo que eventualmente tenham — explica a bióloga Maria Ogrzwalska, do OIC, uma especialista em doenças emergentes e alterações ambientais.

 

Uma vez capturados e colocados em saquinhos de pano, os morcegos são pesados, têm secreções coletadas para teste de PCR, fezes tiradas para exames, são examinados, medidos e, por fim, libertados.

 

Noite adentro, é um trabalho sem fim. Os morcegos capturados são pendurados em seus saquinhos numa espécie de varal. Um a um são testados. À frente da equipe de campo, está a veterinária especialista em fauna silvestre Marina Galvão Bueno, do IOC, uma das coordenadoras da pesquisa.

 

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Quando a equipe do laboratório termina, Novaes pega o animal examinado e o devolve a floresta. Em segundos, o morcego desaparece na mata. O trabalho recomeça, está só no início.

 

O Globo

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